Está em depósito no Museu Militar uma obra alusiva ao Desastre da Ponte das Barcas, que ocorreu no Porto em 29 de março de 1809. O drama ligado à destruição da ponte sobre o rio Douro é um dos factos marcantes da II Invasão napoleónica, chefiada pelo general Soult. Durante o 1.º terço do séc. XIX circularam imagens do acontecimento em gravura, mas a maquineta da Ponte das Barcas do MNSR é a única peça de escultura coeva que chegou até nós.
O Desastre da Ponte das Barcas (maquineta). João José Braga (at.)
Barro policromado, 46 x 67 x 18 cm
|
A catástrofe é vista do rio Douro, com o cais da Ribeira em 1.º plano tendo por fundo o casario pintado na madeira, desde a muralha até à entrada da Ponte das Barcas. A porta da Ribeira com a sua guarita e a escada de embarque são dados de pormenor fiéis ao local. Num dos arcos do muro, o escultor reproduziu o brasão das armas do reino e bispado. Os franceses avançam chefiados por um oficial-general, em perseguição de militares e civis. O ataque é posto em evidência no cais, onde há corpos caídos no areal da margem. A pilhagem é descrita em pormenor: há que descobrir os soldados franceses roubando as botas a um civil, um deles a dar uma coronhada num resistente e, mais ao longe, um granadeiro a desferir uma cacetada num paisano… Sobre o muro há mais violência: uma freira tenta fugir enquanto cidadãos são roubados (relógio, saco de moedas…).
O tratamento primoroso das figuras justifica a atribuição da peça a João José Braga, o mais conhecido barrista portuense da época romântica, de quem se diz ter tido um fim trágico: morreu de Cólera Morbus durante o Cerco do Porto. Para edifícios trabalhou também na grande escala, como autor dos modelos da Fé, Esperança e Caridade da fachada da Igreja dos Terceiros de S. Francisco, além de ter modelado os Quatro Evangelistas da paroquial de St. Ildefonso e as imagens dos Passos da Paixão da Igreja de Matosinhos[1].
![]() |
Registo de casamento de João José Braga e Gertrudes Magna
ADL, Casamentos S. Mamede, 1793 - 1816, f. 103
|
Mas quem foi afinal João José Braga?
Era natural da freguesia da Sé, onde nasceu em 1 de otubro de 1778, sendo filho do bracarense António José Braga e de Ana Maria de Santa Rosa, natural da Sé; os avós paternos eram daquela cidade nortenha, António Agostinho Braga e sua mulher Ursula de Sousa – freguesia de S. José, Braga[2]. Em 25 de julho de 1803 regista-se o seu casamento com Gertrudes Magna – freguesia de S. Mamede, Lisboa[3] (fig. 2). O escultor regressou ao norte onde constituiu família na antiga Rua da Ourivesaria, em S. Nicolau – Porto. Foi nesta zona ribeirinha que lhe nasceram três filhos: Joaquina em 25 de fevereiro de 1808, a filha Florinda em 11 de janeiro de 1810 e o mais novo José em 29 de junho de 1812[4]. Não foi possível encontrar o registo de óbito do artista mas está aberta uma nova linha de estudo sobre a vida e relações do escultor com o meio artístico.
O artista pertencia ao escólio das artes liberais a que se refere Agostinho da Costa na sua Descrição Topográfica e Histórica da cidade do Porto, a obra de referência de 1788-89 onde temos de procurar o entorno das suas produções escultóricas[5]. E tendo vivido em S. Nicolau, como agora sabemos, estabeleceu-se numa das melhores zonas comerciais, que aquele presbítero (bracarense) descreve assim ao destacar as igrejas paroquiais[6]:
“(…) a Igreja de São Nicolau, além de ser sagrada, é a mais rica de todas, por causa do grande número de comerciantes que dela são fregueses e se desvelam em desempenhar as suas funções (…) Seguem-se as igrejas da Senhora da Vitória e de Santo Ildefonso (…)”.
[2] ADP, Batismos Sé 1778-80, f. 11.
[3] ADL, Casamentos S. Mamede 1793-1816, f. 103
[4] ADP, Batismos S. Nicolau 1808-14, fls. 100, 137 e 182v.
[5] COSTA, Agostinho Rebelo da (P.e) – Descrição Topográfica e Histórica da cidade do Porto, 1788 (reed. Frenesi.2001), p.
[6] Idem, p. 99.
Paula Mesquita Leite Santos
Sem comentários:
Publicar um comentário